AS ERÍNEAS OU FÚRIAS
As três Eríneas ou Fúrias estão entre as mais antigas deusas gregas. Em
todos dos diferentes mitos da criação, elas têm um lugar no esquema
primordial das coisas, precedendo em muito as divindades masculinas do
ciclo de Zeus. Assim, são consideradas contemporâneas dos Titãs,
nascidas da união entre o Ar e a Mãe Terra, ou filhas da Terra surgidas,
segundo Hesíodo, do sangue de Urano mutilado. Ésquilo descreve-as como
Filhas da Noite (Nix), enquanto, para Sófocles, eram filhas da Treva com
a Terra.
Essas três anciãs são Aleto ("a ira incessante"), Tisífone ("vingadora
do assassínio" ou "retaliação") e Megera ("a ciumenta"). Vivem no mundo
inferior. Ésquilo descreve-as como pavorosas mulheres semelhantes a
Górgonas, que envergam longos vestidos negros, com tranças formadas por
cobras, olhos injetados e unhas semelhantes a garras, sendo mais tarde
representadas como donzelas aladas de aspecto sério, vestidas de
caçadoras, com serpentes ou tochas nos cabelos, portando açoites, tochas
ou foices.
Elas vingavam o derramamento de sangue, de modo particular o de um
genitor, e, mais especialmente, o assassinato da mãe pelo filho. Quando
isso acontecia, saíam da sua morada nos portões do Hades e perseguiam o
autor do derramamento de sangue até a vingança. Ninguém podia escapar da
sua fúria. Podemos vê-las como guardiãs da linhagem, das forças que
atuam por meio da hereditariedade. Foram mais tarde consideradas como
tendo três facetas, cada uma das quais costumava receber um nome
diferente. Como Sêmidas (e como Eumênides), eram as "veneráveis" ou
"gentis"; como Diras, proferiam "maldições" contra quem transgredia as
leis da linhagem; e como Manias ou Fúrias, vociferavam em seu furioso
aspecto vingativo. Eram adoradas no seu santuário no sopé do Monte
Areópago em Atenas.
Como protetoras dos direitos da linhagem matriarcal, as Eríneas não se
harmonizavam com a mudança para uma sociedade mais patriarcal que se
desenvolvia na Grécia no primeiro milênio antes de Cristo. Eram
demasiado antigas, por demais arraigadas no coração do povo para serem
facilmente substituídas por um grupo de deusas e deuses vingativos mais
simpáticos ao novo clima do patriarcado. Contudo, foram transformadas
nas delicadas Eumênides -- o que podemos ver expresso de maneira mais
clara na lenda de Orestes e as Fúrias no drama de Ésquilo "As
Eumênides".
Orestes, filho de Clitemnestra, matou a mãe num acesso de fúria
vingativa por ter esta assassinado o seu pai. As Eríneas, naturalmente,
o perseguiram, incansáveis, por mais de um ano, enquanto ele usava todos
os recursos para purificar-se do matricídio. Elas não se pacificaram e
Orestes foi forçado a procurar refúgio no templo de Apolo. Os deuses
concordaram em julgar Orestes e o primeiro julgamento com júri foi
presidido por Atena. Houve um empate e a decisão coube a Atena, que
votou contra a punição do matricídio. As Eríneas ficaram possessas e
exclamaram que os deuses da nova geração tinham desrespeitado as leis
antigas e as desautorizado. Ameaçaram arrasar a Terra, deixando cair uma
gota do sangue do seu coração sobre ela, e, como ainda tinham poder
sobre a descendência, podiam fazer cair sobre a humanidade a
esterilidade. Terminaram por ser aplacadas e reconciliadas com a nova
ordem quando se concordou que fossem adoradas com sacrifícios num
santuário em sua honra em Atenas.
Receberam o nome de Eumênides ou "gentis", tomado de empréstimo de uma
tríade anterior de deusas do mundo inferior que fizeram surgir do solo
plantas comestíveis como uma dádiva à humanidade. Elas controlavam as
forças do crescimento que operavam no reino vegetal a partir de baixo.
São, portanto, forças da Terra claramente femininas, opostas às forças
masculinas que operam a partir de cima, à luz do Sol. Elas também
governavam forças que agiam por meio do feminino na reprodução humana.
As Eríades eram, por conseguinte, deusas tríplices guardiãs e protetoras
da linhagem matriarcal, enquanto as Eumênides eram deusas tríplices que
nutriam o fluxo da vida e dele cuidavam por meio do feminino. Logo,
podemos ver que essas duas facetas terminaram por se fundir nesse
período ulterior da sociedade grega, que foi entregue quase inteiramente
a uma estrutura social patriarcal.
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